Especialistas discutem traição ao publicar obra inédita de Gabriel Garcia Márquez sem autorização, destacando a importância do testamento para evitar disputas entre herdeiros.
‘Este livro não serve para leitura, é totalmente proibido’. Foi assim que Gabriel Garcia Márquez se referiu ao seu último manuscrito inacabado, denominado ‘Em agosto nos vemos’.
Apesar da genialidade do autor colombiano, a publicação vedada de sua obra acabou gerando polêmica no meio literário. Muitos consideraram o livro censurado como uma peça fundamental para entender o processo criativo do renomado escritor.
O caso do livro proibido de Gabo
Entretanto, a última manifestação de vontade do autor, falecido aos 96 anos em abril de 2014, não foi respeitada pelos filhos de Gabo, que decidiram publicar a publicação vedada em 6/3/24, justamente na data de aniversário do autor. A implicação jurídica do caso chama a atenção: o desrespeito à expressão de última vontade em vida, sem registro formal, pode ser considerada legal?
Ato de traição na obra proibida
Na introdução do livro, Rodrigo e Gonzalo García Barcha explicaram a decisão contrária à vontade do pai. Eles admitiram que se tratou de um ‘ato de traição’, mas ressaltaram que a perda das faculdades mentais de Gabo, que o impediu de terminar o manuscrito, também o teria impedido de perceber como a obra estava bem escrita.
A protagonista feminina no livro censurado
Os filhos do autor ainda afirmam que a decisão da publicação decorreu da presença de uma personagem feminina no livro, já que em todas as outras obras de Gabo, mulheres são coadjuvantes. A protagonista, no caso, é Ana Magdalena Bach, uma mulher de 50 anos, casada, que, anualmente viaja, em agosto, a uma ilha caribenha para visitar o túmulo da mãe.
Os desafios legais na obra proibida
Autores como Virgílio, Franz Kafka e Gabriel Garcia Marquez tiveram manifestação de última vontade contra a publicação de obras inéditas desrespeitada por herdeiros.
O tema do testamento na publicação proibida
A 32ª tabeliã de notas do Rio de Janeiro/RJ e professora de Direito Notarial e Registral , Virgínia Arrais, explica que toda manifestação de vontade feita em vida, para surtir efeitos após a morte, deve ser feita por testamento.
A lei de direitos autorais (lei 9.610/98), especifica, em seu art. 28, os direitos patrimoniais do autor – de exploração econômica da obra – e, em seu art.
24, os direitos morais, os quais são inalienáveis e irrenunciáveis. O §1º deste último dispositivo estipula que, após a morte do autor, o direito de ‘conservar a obra inédita’ é um dos que são transmitidos aos sucessores.
A divergência quanto à concordância na obra proibida
Na avaliação de Luiz Fernando Plastino, especialista em Propriedade Intelectual do escritório Barcellos Tucunduva Advogados, deixar uma obra póstuma inédita não é um direito patrimonial.
‘É outro tipo de direito autoral, o qual a lei determina que será exercido pelos sucessores do autor após a sua morte.
Assim, existe divergência sobre a necessidade de os herdeiros realmente respeitarem esse tipo de determinação de última vontade que não implica aproveitamento econômico.’ E se inexistir concordância? Virgínia Arrais reforça que ‘todo testamento ou escritura pública declaratória podem ser contestados, em função do livre acesso ao Poder Judiciário’.
A história dos autores e o livro proibido
Dessa forma, caso algum dos herdeiros discorde da decisão de publicação, por exemplo, é viável acionar a Justiça para buscar uma solução adequada.
A curiosa situação não é única. Outros autores que expressaram o desejo de proibir a publicação de suas obras antes de morrer tiveram suas vontades desconsideradas.
O imperador romano e o livro censurado
Um exemplo é Virgílio, que em 19 a.C. deixou instruções claras para que ‘Eneida’ fosse destruída. O poeta considerava que a obra não estava completa e em estado insatisfatório para publicação.
No entanto, o imperador romano Augusto, que era um grande admirador de Virgílio, ordenou que o poema fosse publicado, ignorando os desejos do autor.
O amigo fiel e o livro proibido
Outro caso notável é o de Franz Kafka. Antes de morrer de tuberculose, o escritor pediu ao seu amigo Max Brod que destruísse alguns escritos, incluindo os clássicos ‘O Processo’ e ‘O Castelo’, obras consideradas, hoje, de suma importância para o arcabouço literário de juristas.
Fonte: © Migalhas
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