A identificação vocálica nas chamadas telefônicas é essencial para a envergadura probatória e comprovação de declarações extrajudiciais em interceptações telefônicas do esquema.
Em casos de rachadinha, a falta de provas concretas que identifiquem os participantes do esquema e os métodos utilizados para desviar verbas públicas torna difícil a condenação dos envolvidos baseando-se apenas em chamadas telefônicas.
Além disso, é importante ressaltar que, em alguns casos, a prática de assédio moral pode ser utilizada como forma de coagir os funcionários a participarem do esquema de rachadinha, dificultando ainda mais a obtenção de provas contundentes para embasar um processo criminal.
Acusação de ‘rachadinha’ contra ex-vereadora e assessor é mantida pelo TJ
Com base em determinada fundamentação, a 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu manter a absolvição de uma ex-vereadora de Guarujá e um assessor acusados de ‘rachadinha’.
A gravação telefônica foi considerada insuficiente pelo TJ de São Paulo. A Justiça Pública não solicitou a realização de exame pericial para a identificação vocálica dos envolvidos nas chamadas telefônicas — um elemento essencial para confirmar a identidade dos interlocutores e validar o conteúdo dos diálogos, conforme ressaltou o desembargador Geraldo Luís Wohlers, relator do recurso de apelação do Ministério Público.
A ex-vereadora foi denunciada pelo promotor Cássio Serra Sartori por supostamente pressionar um ex-assessor parlamentar a devolver parte do salário para permanecer no cargo comissionado. A acusação também inclui o envolvimento do assessor nas atividades ligadas à ‘rachadinha’.
De acordo com as alegações do MP, entre janeiro e junho de 2017, os acusados cometeram seis crimes de concussão em continuidade delitiva, exigindo cerca de R$ 3 mil mensais dos vencimentos de R$ 7,7 mil do assessor alvo da prática de ‘rachadinha’. Após esse período, ele foi afastado do gabinete da vereadora.
Os repasses indevidos somaram aproximadamente R$ 19,5 mil. Durante um procedimento investigatório criminal (PIC) realizado pelo MP, o assessor supostamente prejudicado afirmou ter sido coagido a entregar parte de seus salários aos réus para manter o cargo.
No entanto, ele não foi encontrado para prestar depoimento em juízo e confirmar, de forma contraditória, o que havia declarado anteriormente na fase pré-processual, destacou o juiz André Rossi, da 2ª Vara Criminal de Guarujá (SP). Por essa razão, Rossi absolveu os acusados por falta de provas.
Argumentação do Ministério Público e declarações extrajudiciais na apelação
O MP recorreu da decisão e argumentou que as declarações extrajudiciais da suposta vítima da ‘rachadinha’ foram respaldadas pelas provas do caso, especialmente pela transcrição das conversas, pelos extratos bancários e pela quebra de sigilo dos demais assessores, que mostraram um padrão semelhante ao relatado pelo ex-assessor.
A degravação mencionada pelo MP refere-se a duas chamadas telefônicas gravadas pelo suposto prejudicado pela ‘rachadinha’. Em uma delas, ele teria conversado com o coacusado. Na outra, o diálogo teria sido com outro assessor da vereadora, que também estaria sujeito ao repasse de parte do salário.
Segundo Geraldo Wohlers, a evidência coletada ‘não é suficiente para condenar’, justificando assim a manutenção da sentença. O relator observou que a gravação foi feita diretamente pelo assessor que denunciou o esquema, sem uma interceptação telefônica prévia, o que levanta dúvidas sobre as linhas telefônicas envolvidas e suas titularidades.
O terceiro assessor gravado, que negou ser sua a voz captada na gravação, também compromete a confiabilidade do conteúdo das conversas, apesar das referências claras a transferências de salários. Os desembargadores Cláudia Fonseca Fanucchi e Guimarães Pereira acompanharam o voto de Wohlers.
O colegiado considerou que os extratos bancários apresentados de três assessores não possuíam a ‘envergadura probatória’ alegada pelo MP, e que o conjunto de provas era limitado, baseando-se essencialmente nas declarações extrajudiciais de J.C.S.A. (o denunciante).
Em resumo, a análise do processo indicou uma total falta de comprovação evidente, resultando na manutenção da absolvição da ex-vereadora e do assessor acusados de ‘rachadinha’.
(Processo 1002664-70.2018.8.26.0223)
Fonte: © Conjur
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