A instalação de câmeras corporais em policiais pode levar à invalidação de certas condenações, reduzindo injustiças epistêmicas e garantindo a validade da prova.
Câmeras policiais são elementos fundamentais para aumentar a transparência das ações das forças de segurança. A presença desses dispositivos de gravação tem o potencial de trazer mais clareza e confiabilidade para a atuação dos policiais.
A utilização de equipamentos de filmagem pelas forças policiais é uma medida crucial para promover a prestação de contas e garantir a proteção tanto dos cidadãos quanto dos próprios agentes. Com câmeras policiais em operação, a possibilidade de distorção de informações é significativamente reduzida, contribuindo para a busca por uma justiça mais eficaz e imparcial.
Câmeras policiais auxiliam na validação de provas audiovisuais
Assim, os testemunhos deles não devem bastar para fundamentar condenações, de acordo com os especialistas no tema ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Polícia Militar do Rio está implementando câmeras em uniformes de agentes e viaturas Aprovada pelo Órgão Especial do TJ-RJ em 2003, a Súmula 70 tem a seguinte redação: ‘O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação’. A pedido da Defensoria Pública do Rio, a corte fluminense discute o cancelamento ou a revisão da norma.
Por ordem do Supremo Tribunal Federal (ADPF 635), a Polícia Militar do Rio começou, no início de janeiro, a implementar câmeras nas fardas e nas viaturas. As imagens podem ser acompanhadas em tempo real por outros policiais e ficam armazenadas por um ano. Não é possível desligar as câmeras, nem editar as imagens.
No primeiro mês com as câmeras nas fardas, as mortes por intervenção de policiais caíram 45% no estado do Rio, em comparação com janeiro de 2023, segundo dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública.
Impacto das câmeras policiais na produção de prova audiovisual
O uso dessas câmeras deveria levar ao cancelamento da Súmula 70, segundo Janaina Matida, professora de Direito Probatório da Universidad Alberto Hurtado (Chile) — que defende a revogação da norma mesmo se não houvesse a instalação dos equipamentos, já que não se pode presumir a verdade das declarações de ninguém.
‘A crescente implantação das câmeras corporais é útil ao bom policial, que não tem nada a esconder e que entende a necessidade de que o seu relato seja confirmado por outras provas externas e independentes. Além disso, as câmeras corporais protegem os bons policiais de falsas acusações e, na hipótese de que sejam atacados (inclusive fisicamente), servem para reconstruir esses fatos.
As câmeras corporais são um mecanismo de auditabilidade da atuação policial, e isso é fundamental para o fortalecimento da democracia brasileira.’ As decisões do STF na ADPF 635 e da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília x Brasil determinam a ampliação e a sofisticação dos mecanismos de controle da atividade policial, segundo Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Devido a tais sentenças, foram editadas as Leis fluminenses 5.588/2009 e 9.298/2021, que estabeleceram a implantação de sistemas de vídeo e áudio nas viaturas e o monitoramento e registro das ações dos agentes de segurança pública por meio de câmeras corporais.
Além disso, destaca o docente, o Superior Tribunal de Justiça vem condicionando a validade dos depoimentos policiais ao complemento de prova audiovisual. ‘Todas são medidas que demonstram a inadequação da Súmula 70’, diz Salo de Carvalho.
Importância do auxílio de especialistas na análise de provas contra depoimentos policiais
‘Infelizmente, a utilização das câmeras corporais não vai levar necessariamente ao cancelamento da Súmula 70’, lamenta a advogada Cristiana Cordeiro, juíza criminal aposentada. Segundo ela, a norma é muito usada por integrantes do Ministério Público e magistrados.
‘E acredito que seja por comodidade, pois eles preferem acreditar fielmente na palavra dos policiais a buscar outras provas (caso do MP) ou absolver por falta de provas.’ Os policiais raramente narram as ocorrências de forma fiel aos fatos, ressalta Cristiana.
E isso nem sempre ocorre por má-fé — os agentes promovem inúmeras prisões no dia a dia, e é difícil lembrar precisamente dos episódios quando são ouvidos nas audiências, muitos meses depois. Mas é claro que também há os casos de policiais que ‘mentem deliberadamente, para forjar um flagrante ou ocultar seus próprios atos’, diz a ex-juíza.
‘Existindo somente a palavra dos policiais, sem outras provas, penso que a solução justa é a absolvição (in dubio pro reo)’. Contradição com as imagens Caso os depoimentos dos policiais estejam em contradição com as imagens captadas pelas câmeras em seus uniformes ou viaturas, as gravações é que devem ser consideradas pelos magistrados.
Isso porque, em confronto de provas, geralmente a prova técnica apresenta uma maior qualidade de verdade fática para a decisão judicial, de acordo com Salo de Carvalho.
Em caso de contradição entre o testemunho de agentes de segurança e as filmagens, afirma Cristiana Cordeiro, os juízes têm duas opções: extrair as gravações e encaminhá-las ao MP, para apuração do crime de falso testemunho, ou determinar a perícia do vídeo, para que um especialista em imagens possa esclarecer as divergências. Nenhuma declaração deveria, por si só, ter valor probatório.
Assim, se os depoimentos policiais não coincidirem com as imagens, não devem ter credibilidade, segundo Janaina Matida. ‘O magistrado deve se manter alerta a dois aspectos. Em primeiro lugar, aos erros honestos que qualquer pessoa pode cometer ao tent…
Fonte: © Conjur
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