O cartunista militante e ícone do design, também autor de clássicos como O Menino Maluquinho, compartilha as receitas preferidas do avô, repletas de carinho e memórias de infância em família.
Ziraldo, um dos mais importantes artistas brasileiros, encontrou inspiração em sua família e em Caratinga, sua cidade natal em Minas Gerais, para criar suas obras icônicas. O cartunista, escritor e ilustrador é conhecido por sua versatilidade e criatividade, que o tornaram uma referência no cenário cultural do país.
O legado de Ziraldo se destaca pela sua contribuição para a literatura infantil brasileira, sendo um dos nomes mais importantes da nossa história. Seu talento como artista é inegável, conquistando leitores de todas as idades com suas histórias encantadoras e seus desenhos marcantes. O Brasil tem muito a agradecer a Ziraldo por sua dedicação e genialidade.
Ziraldo: O Artista Multifacetado
Lá, passou apenas 18 de seus 92 anos incompletos de vida, pois se mudou para o Rio de Janeiro em 1950, para se consagrar nas páginas da lendária revista O Cruzeiro, que vendia 500 mil exemplares por semana. Mas a pequena localidade jamais saiu dele, ficou impregnada em forma de nostalgia e saudade, com suas lendas, personagens e até culinária.
Ziraldo foi encontrado morto no sábado, 6 de abril, em seu apartamento no bairro da Lagoa, zona Sul do Rio de Janeiro, após seis anos com uma saúde debilitada por um AVC. Ele jamais deixou de ser o menino do interior cujas memórias renderam a obra-prima O Menino Maluquinho e outros livros sobre vários membros da família e até sua professora, maluquinha, maluquinha, claro.
Nas mais de 180 obras que escreveu para crianças, ele falou de seus pais, dos avós, da perda da esposa, dos netos com delicadeza e sensibilidade – Nina falou sobre o avô para o NeoFeed. Escreveu tudo com o coração, com a paixão e a distância física de quem ama os seus e sofre com as perdas que a vida traz.
As Receitas Preferidas de Ziraldo
E os leitores compreenderam essa intensidade de sentimentos e o consagraram como vendedor de milhões de exemplares. Em 2009, na entrevista que fiz com ele para a revista Audi, o apressado Ziraldo – estava sempre metido em mil projetos – foi às lágrimas pelo inusitado do tema: o que lembrava das comidas que aprendeu a amar na infância e que faziam parte por toda a vida de suas receitas preferidas.
Não citou nada de diferente do que se espera de quem ama comida caseira do interior – feijão tropeiro com couve-flor, pequi, torresmo, carne de porco, ambrosia, pão de queijo etc. Mas fez uma pausa para dizer, emocionado, que a melhor comida do mundo era feita por sua avó, cuja lembrança trazia a ele aquele momento enorme saudade. Para Ziraldo, não eram as receitas em si que gostava.
Havia ali, na cozinha de sua avó (e de sua mãe), um tempero que não tinha em lugar nenhum do mundo: o carinho, o capricho que vinha daquelas mãos tão amorosas, que buscavam o ponto certo para encontrar ele e seus seis irmãos saciados por ingredientes que não precisavam de nada de especial para parecer a melhor coisa a se comer.
Ziraldo e a Diversidade Cultural Brasileira
O futebol era uma das grandes paixões do cartunista (Reprodução: instagram @ziraldooficial) Ziraldo com a edição japonesa de Flicts (Foto: Ana Colla) Ziraldo e a neta Nina: ‘A obra dele tem esse poder de fazer parte e de poder transformar a vida das pessoas’ Sua sensibilidade para perceber algo tão íntimo e familiar e que lhe deixou memórias tão sentimentais revelava bastante do artista que fazia pose de durão, mas que se expressava com um humanismo raro, inquestionável por quem quer que fosse.
Assim como amava comida caseira da mãe e da avó, Ziraldo era um apaixonado por um Brasil que deveria saber conviver com suas origens nativas, naturais, ambientais e culturais.
Adotou o índio e o negro como símbolos de uma luta necessária, cobriu ambos de um verde amarelo outrora representantes de uma brasilidade cuja conotação tinha a ver com as minorias que ele passou a defender com tantos personagens. Nesse contexto, conviver com as diferenças era algo tão natural e necessário como brincadeira de criança.
A Singularidade Gráfica de Ziraldo
Por isso, suas turminhas eram tão coloridas, principalmente na pele, lideradas pelo Saci Pererê, um pretinho à frente de seu tempo desde a virada para a década de 1960. E foi com essa simplicidade que Ziraldo construiu uma das mais brilhantes carreiras na imprensa brasileira em todos os tempos e moldou a identidade gráfica e visual do Brasil das décadas de 1950 a 2000.
Ziraldo com Paulo Caruso (1949-2023) após participação no programa Roda Viva (Reprodução: Instagram @ziraldooficial) Se não aparecia como ilustrador de matérias e reportagens ou em cartuns políticos que tanto marcou sua militância no Pasquim, na Playboy e em outras publicações, fazia-se presente em anúncios de publicidade, cartazes de feiras como a da Providência, no Rio, evento que ilustrou por décadas.
Também aparecia nos pôsteres de cinema e nas capas de livros de ficção e humor de grandes escritores nas livrarias – e não apenas nos seus. Tudo isso certamente não ficará no passado.
O Legado Intelectual de Ziraldo
Além disso, fez algo genial que pouca gente se dá conta: criou uma tipologia tão própria que basta ver uma letra ‘A’ com um quadrado no meio – e não um triângulo, como de costume – para que qualquer um que tenha lido um único livro seu mate a charada: essa é uma letra desenhada por Ziraldo.
Como foi possível que a troca de duas figuras geométricas dentro do alfabeto conseguisse marcar tanto as artes gráficas, a publicidade e a produção visual de livros? Pode parecer clichê, mas o silêncio do Ziraldo falador e com posições firmes manterá aberto um vazio imenso dentre as vozes conscientes que fizeram a diferença no último meio século.
O artista fez parte de uma geração que praticamente desaparece com ele, depois que quase todos os companheiros foram embora (à exceção de Jaguar), que formaram a geração do Pasquim, a do humor de militância, de resistência, de defesa incondicional das liberdades.
Ziraldo se junta a Millôr Fernandes, Henfil, Ivan Lessa, Fortuna e tanto outros que a história do País tem uma dívida não paga, de reconhecimento por, literalmente, arriscarem suas vidas contra a opressão militar.
O filho de dona Zizinha, no entanto, abriu outras fronteiras após o início da redemocratização e percebeu que dialogar com as crianças era a melhor forma de blindar o presente e o futuro contra o fascismo e o autoritarismo. Como qualquer cartunista, ele via o mundo como um menino sonhador que queria mudar as coisas com alguma pressa e desespero.
Fonte: @ NEO FEED
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